Estamos obcecados pelo bem-estar?

Estamos obcecados pelo bem-estar?

Especialistas refletem sobre a pressão do mercado e efeitos nocivos.

A partir de seu livro “The Gospel of Wellness”, a jornalista e pesquisadora Rina Raphael identifica as exigências da vida moderna como uma das causas dessa busca excessiva


Estresse de bem-estar Shutterstock
Dançar em volta da fogueira, consagrar cacau, meditar ao som do gongo, saudar o Sol, dançar sob a Lua. Higiene do sono, constelação familiar, alinhamento energético, cura feminina, salto quântico, xamanismo, reiki. Retiros, desafios, suplementos, chás, ervas, óleos. De alimentos a movimentos, terapias a rituais espirituais, é imensa a oferta de produtos e serviços voltados para condicionamento físico, nutrição, saúde mental e tudo mais que o chamado mercado wellness engloba. Indústria que, de fato, está em plena ascensão desde 2020, levantando uma reflexão entre estudiosos do comportamento humano e consumidores: há uma certa obsessão pelo bem-estar? Pesquisa do Global Wellness Institute revela que o setor vem crescendo 12% ao ano, com tendência para chegar, até 2027, à receita anual de US$ 8,5 trilhões.
Terapeuta colaboradora do Spa Maria Bonita há 30 anos, Gabriela Alves testemunhou o início desse boom na pandemia e observa a alta expectativa das pessoas pela pílula mágica para resolver questões emocionais, sem uma entrega ao processo. “O isolamento foi um gatilho para dores emergirem, fez a gente olhar para buracos que evitava, afetando diretamente o equilíbrio mental. A procura por bem-estar e autoconhecimento é fundamental, mas essa cultura do imediatismo faz abrirmos várias frentes ao mesmo tempo, sem um acompanhamento psicoterapêutico, sem aprofundamento. E acabamos até com mais estresse”, opina.
A farmacêutica Camila Bergamini se reconhece nesse personagem. Cerca de seis meses atrás, percebeu que se sente pior do que antes de recorrer a tantas novidades. Começou lendo livros de autoajuda, passou a pesquisar na internet e, a partir daí, apareceu uma enxurrada das mais diversas alternativas em suas redes sociais, com fórmulas para cessar aflições. Durante quatro anos, entregou-se a práticas para despertar a energia kundalini, tomou múltiplos suplementos para limpar o organismo, aprendeu sobre óleos essenciais e muito mais. “Se não seguisse tudo à risca, já era, não seria saudável e feliz”, relata Camila, que atualmente faz “apenas” ioga e meditação: “Aos poucos, notei que gastava muita energia e dinheiro, estava me fazendo mal por tanto querer o bem-estar. Terminei angustiada e com sintomas de TOC (transtorno obsessivo-compulsivo) relacionados à saúde, diagnosticada por um psiquiatra. Existe uma tribo do autocuidado que está adoecendo”.
A publicitária Luisa Aquino, que descreve a mesma história de se perder em inúmeros artifícios, vai além. Ela passou a ver incômodos que nem existiam. “Ficamos sugestionadas, colocamos uma lupa interna para achar questões. ‘Será que meu sono está bom mesmo? Melhor tomar melatonina.’ Sempre achava algo na fala de especialistas para me tornar minha melhor versão. Parei de seguir muitos perfis nas redes e venho focando em um dia a dia simples, adepta do menos é mais”, conta.
Um artigo do jornal inglês The Guardian foi categórico ao mostrar que a indústria do bem-estar atrai porque oferece possíveis benefícios com o discurso de certeza. A partir do livro “The Gospel of Wellness”, da jornalista e pesquisadora Rina Raphael, identifica as exigências da vida moderna como uma das causas dessa busca excessiva. Rina alerta que estão “sedando mulheres com autocuidado consumista”. “Você não está estressada por não fazer ioga o suficiente ou não tomar banhos de espuma. Talvez seja porque seu chefe manda mensagens após as 18h ou por não ter ajuda com a maternidade e o trabalho da casa”, diz a escritora ao jornal.

Para a psicóloga Flavia Paes, Doutora em Saúde Mental pela UFRJ, a busca é válida e as ferramentas podem ser úteis para alívios, mas o foco do debate são as escolhas conscientes, sem influência de um marketing pesado. Ela ressalta que a perseguição por um estado de plenitude constante é frustrante simplesmente porque ele não existe. “O cenário atual revela como não nos permitimos sentir tristeza, raiva, e empregamos o recurso ‘evitativo’. Só que essas emoções também conduzem a nossa vida e nos ajudam a enfrentar, processar e aceitar certos acontecimentos”, pondera. Depois da busca obcecada pelo corpo perfeito, é a vez do bem-estar impecável.

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